sexta-feira, 27 de abril de 2012

Danos Ambientais Transfronteiriços – Soberania Territorial e Ecossistema Global


Num mundo “finito” como é o nosso, todo o espaço terrestre é partilhado pelos Estados soberanos, que pretendem exercer sobre o seu território competências plenas e exclusivas ao ponto de para as designar falarmos de “soberania territorial”.

Entretanto, esta partilha do Planeta Terra entre os Estados não é total: no que respeita às terras emersas, o seu solo e o seu subsolo, o espaço aéreo subjacente e uma franja marítima adjacente que inclui o mar territorial e se prolonga, para lá, pela zona económica exclusiva e plataforma continental. Para além disso, os espaços internacionais e os seus recursos são insusceptíveis de apropriação nacional.

O meio ambiente não conhece fronteiras. Os limites geográficos dos países advêm de critérios políticos e de um processo histórico totalmente alheio à natureza. A grande maioria dos efeitos e danos ambientais ultrapassam essas fronteiras físicas e muitas das vezes repercutem-se em locais distantes de onde foram gerados, podendo mesmo atingir diversos Estados ao mesmo tempo. A protecção do meio ambiente é um dever e obrigação de todos os países e deve ser realizada de maneira global.

O objecto do Direito internacional do ambiente é, assim, “transfronteiriço” por natureza. Certamente que existem poluições que podem permanecer circunscritas ao território de um só Estado, todavia, regra geral, todo o atentado ao ambiente que se produz num Estado tem repercussões sobre o território de outros Estados e nos espaços internacionais.

Como proclamou a Carta Europeia da Água em 1968 “a água não tem fronteiras” – e isso não é só verdade para os rios unicamente internacionais. Os rios que desaguam no mar e as poluições de origem terrestre fazem por vezes sentir os seus efeitos, longe, ao largo; o Direito chamado a intervir, toma conta deste fenómeno (por exemplo, artigo 207º da Convenção de Montego Bay sobre o direito do mar). Além disso, os mares do Globo comunicam na maior parte uns com os outros, assim as poluições que se produzem numa zona marítima podem atingir outros espaços marinhos, por vezes muito afastados.

Do mesmo modo, a poluição atmosférica não se confina às fronteiras terrestres do Estado, como o testemunha de maneira particularmente dramática o acidente de Chernobil de 1986 que continua a fazer sentir os seus efeitos em numerosas partes da Europa. Ou como o demonstra o fenómeno das “chuvas ácidas” que afecta sobretudo os países industrializados. Aliás, é a poluição atmosférica que está na origem de um dos primeiros processos contenciosos ecológicos em Direito internacional; o da Fonderie de Trail, que opôs os Estados Unidos ao Canadá durante os anos 30 a propósito dos fumos nocivos produzidos por esta fábrica e lançados pelos ventos sobre o território americano, e que terminou com uma célebre arbitragem em 1941.

As competências do Estado sobre o seu território encontram-se limitadas. Em conformidade com o princípio enunciado pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em 1949 num contexto diferente, todo o Estado tem a “obrigação (…) de não deixar utilizar o seu território para fins contrários aos direitos de outros Estados” (Estreito de Corfu). Em matéria de ambiente, este princípio deu nascimento a um outro, mais preciso, muitas vezes chamado “princípio da utilização não danosa do território”, que o Grupo de trabalho que a Comissão de Direito Internacional (CDI) tinha constituído em 1996:

“A liberdade dos Estados exercerem ou de permitirem que sejam exercidas actividades sobre o seu território ou noutros lugares colocados sob a sua jurisdição ou o seu controlo não é ilimitada. Ela está submetida à obrigação geral de prevenir ou de reduzir ao mínimo o risco de causar um dano transfronteiriço significativo” (relatório da CDI sobre a 48º sessão, 1996). Esta disposição exprime claramente os limites que se impõem às competências territoriais dos Estados.

O mesmo princípio foi proclamado solenemente pelas conferências de Estocolmo (princípio 21) e do Rio, e ligado por elas ao da soberania permanente dos Estados sobre os seus recursos naturais, o qual atenua o carácter absoluto:

“Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios do Direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos em conformidade com as suas próprias políticas em matéria de ambiente e desenvolvimento e eles têm o dever de velar para que as actividades que derivam da sua competência ou do seu poder não ataquem o ambiente dos outros Estados ou zonas situadas para lá dos limites da sua jurisdição nacional” (princípio 2 do Rio).

O Tribunal Internacional de Justiça confirmou a força obrigatória do princípio no seu parecer consultivo de 1996 relativo à Licitude da ameaça ou do emprego de armas nucleares: “A obrigação geral que têm os Estados de velar para que as actividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob o seu controlo respeitem o ambiente dos outros Estados faz entretanto parte do corpo de regras de Direito internacional do ambiente”.

Como que em gesto de conclusão e partindo do pressuposto de que a soberania territorial não é mais um conceito absoluto (conceito atenuado e enfraquecido pelos compromissos internacionais assumidos em matéria ambiental), vamos agora olhar para a jurisprudência em matéria de danos transfronteiriços.

Convém reforçar a ideia de que nos tempos actuais não se pode defender, sob o manto de uma soberania una, suprema e indivisível, o uso indiscriminado de recursos naturais sem qualquer respeito pelos Estados vizinhos. A soberania dos Estados está submetida a restrições que acabam por diminuir a liberdade de decidir e de agir dos Estados. A soberania estadual não pode ser exercida de forma isolada. Como Oppenheim observou: “Ao Estado, apesar da sua supremacia territorial, não é permitido alterar as condições naturais do seu próprio território, em detrimento das condições naturais do território de um Estado vizinho”.

Assim, a discricionariedade do Estado encontra-se limitada por princípios como o da boa vizinhança (sic utere tuo ut alienum non laedas) ou o princípio da responsabilidade do Estado por acções que causem danos transfronteiriços. A observância destes princípios em detrimento da soberania do Estado pode ser constatada em inúmeros julgamentos internacionais.

É, aqui, de referir o caso Fonderie de Trail. Este é o caso de uma fundição de zinco e chumbo situada na cidade de Trail, na costa oeste do Canadá. Esta fundição lançava fumos tóxicos sobre os moradores de Newport, no Estado de Washington, no extremo da região noroeste dos Estados Unidos.

Inicialmente, muitas foram as indemnizações pagas pela fundição. Em 1925, foi criada uma associação de pessoas afectadas pelos fumos provenientes da fundição e em 1927 o Governo Americano apresenta uma reclamação directamente ao Estado do Canadá. No entanto para o caso nunca foi encontrada uma solução definitiva.

Foi então que a controvérsia foi submetida Tribunal Arbitral Internacional (TAI) em 1935. O Canadá ficou obrigado a reduzir a poluição atmosférica no vale do Rio Columbia causada pelo dióxido de enxofre emitido pela fundição a apenas sete milhas da fronteira EUA-Canadá. Em segundo lugar, o TAI considerou o Canadá responsável pelos danos causados às culturas, árvores e parques no Estado de Washington e fixou o montante da indemnização a ser pago. Por último, o Tribunal concluiu que “de acordo com os princípios de direito internacional, nenhum Estado tem o direito de usar ou de permitir o uso do seu território de maneira que provoque danos no território de outro Estado”.

Esta proibição genérica de um Estado causar danos significativos a outro Estado, bem como o dever de proteger os direitos dos outros Estados, continuou a ser desenvolvida com base noutros casos. O processo Corfu Channel que em 1949 opôs o Reino Unido e Albânia, o acidente do petroleiro Amoco Cadiz e ainda o caso Ensaios Nucleares 1974 são bons exemplos disso.

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