quinta-feira, 19 de abril de 2012

Deferimento tácito da licença ambiental


O novo regime da licença ambiental consagrado no Decreto-Lei nº173/2008, de 26 de Agosto (diploma PCIP) estabeleceu várias alterações face ao regime antecedente, Decreto-Lei nº194/2000, de 21 de Agosto.
Uma dessas alterações foi a introdução do art.º17º. Consagra-se, como regra, o deferimento tácito em caso de silêncio da Administração após decorrido o prazo para a decisão.
Contudo, esta opção do legislador é passível de inúmeras críticas.
Em Primeiro lugar esta consagração é contrário ao espírito da licença ambiental, na medida em que se a sua finalidade é assegurar a intervenção obrigatória e vinculativa de uma autoridade administrativa antes da permissão de exploração de determinada actividade, com o deferimento tácito permite-se que a decisão possa ser tomada sem que a entidade competente tenha possibilidade de se pronunciar, tal situação equivale a privar o regime da sua capacidade de prevenir e controlar de forma integrada as actividades poluentes.
Por outro lado, a constitucionalidade da referida opção é duvidosa, uma vez que há uma clara violação do princípio constitucional da prevenção, previsto no art.66.º n.º2, al. a) CRP, pois através desta consagração de deferimento tácito falta a ponderação efectiva das consequências de uma instalação para os níveis de poluição, essencial no princípio de prevenção.
Ora sendo a prevenção um dos pilares essenciais na protecção do ambiente, uma vez que impõe á Administração na sua actuação um juizo prévio de antecipação de danos ambientais, não parece que o deferimento tácito seja compatível com esse juízo de prognose.
No que concerne à Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril), esta opção legislativa entra em conflito com o art.27.º nº1 al. h), que consagra o licenciamento prévio de todas as actividades potencial ou efectivamente poluidoras, e com o art.33º n.º 1, que determina a sujeição a prévio licenciamento da construção, ampliação, instalação e do funcionamento de estabelecimentos e o exercício das actividades efectivamente poluidoras.
Esta solução atenta ainda contra os arts. 4.º, 8.º e 9.º da Directiva 2008/1/CE, que impõem a obrigatoriedade de adopção pelos EM das medidas necessárias para que nenhuma instalação seja explorada sem uma licença conformem à directiva, definindo-se aí o conceito de licença como um «acto que inclua as condições específicas que garantam que a instalação satisfaz os requisitos» da directiva.
A licença enquanto condição de início da exploração da instalação, é como o próprio nome indica um instrumento de prevenção, que concretiza um princípio de proibição sob reserva de permissão. Ao particular é negada a possibilidade de emitir poluição proveniente da exploração de determinadas actividades industriais para o ar, água e solo, sem se munir previamente de um acto administrativo conformador dos limites desse desgaste. Logo, a licença não é apenas um levantamento de obstáculo procedimental, mas integra, mesmo as condições essenciais em que a actividade do operador deverá desenrolar-se. Há uma clara necessidade de decisão expressa, de modo a fixar os parâmetros que têm de ser respeitados para qua a exploração da actividade tenha lugar. Com o deferimento tácito a administração nada diz, não há uma pré-avaliação dos danos ambientais, nem o estabelecimento dos limites e condições em que a actividade se pode desenrolar. Caso para dizer, Quem cala consente?
De acordo com a natureza do deferimento tácito o que existe é uma ficção jurídica, a da atribuição ao silêncio da Administração de um efeito pré-determiniado. Porém, ao exigir-se a presença de elementos adicionais entra-se em contradição com a própria natureza do deferimento tácito. Na situação de deferimento tácito não é apenas necessário o decurso do prazo como também não se pode dar por verificada nenhuma das causas de indeferimento previstas nas als. a) a e) do n.º6 do art.16.º, tal como prevê o art. 17.º/1 do DL 173/2008 que «decorrido o prazo para a decisão do pedido de licença ambiental sem que esta tenha sido proferida pela APA e não se verificando nenhuma das causas de indeferimento previstas nas alíneas a) a e) do n.º 6 do artigo [16.º] considera-se tacitamente deferida a pretensão do particular», dispondo o n.º 2 que a APA deve emitir e remeter ao operador a certidão que comprove o decurso do prazo para emissão da licença ambiental.
O deferimento tácito é então condicional, que depende do preenchimento de requisitos substantivos que ninguém vai apreciar?
Esta questão pode revelar-se problemática, desde logo porque a verificação do preenchimento das als. d) e e) exige uma interpretação de normas jurídicas e, no último caso, mesmo a formulação de um juízo integrável na margem de livre decisão da Administração, que sempre lhe permitirá atacar a posição do particular.
A Professora Carla Amado Gomes sustenta nesta situação a existência de um acto de «indeferimento implícito», o que pode ter consequências bastante perniciosas para o particular.
Quando a Administração alegue não se ter produzido o deferimento tácito em virtude do preenchimento de uma das alíneas a) a e) do art. 16.º/6, poderá o particular propor uma acção de condenação à prática de acto devido? É que, para o fazer, terá de demonstrar em juízo que o acto tácito não se produziu, demonstrando, contra si mesmo, a verificação de uma causa de indeferimento…
Pelo que foi exposto, parece que o legislador não foi feliz na consagração deste regime. Então Porque esta opção legislativa?
A lógica que preside à existência de um requisito que consiste na obtenção de uma licença ambiental será a de vedar o início de uma actividade sem que exista um documento que titule esse desenvolvimento regulando os efeitos que essa actividade possa ter no ambiente. Será isso que justifica que a licença ambiental seja condição necessária de exploração (art. 2.º, i) RLA). Mas poderia ficar o particular esperando ad eternum o proferimento de uma decisão?
Em bom rigor, o particular nunca teria de ficar eternamente a espera do proferimento de uma decisão, desde logo, porque poderia, decorrido o prazo para a decisão, propor uma acção de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido, nos termos dos arts. 66.º e seguintes do CPTA.
Pelo exposto parece de concluir que a opção legislativa não era assim tão necessária. O caminho seguido pelo legislador não foi, de facto, o mais correcto ou aconselhável em termos práticos, pois introduziu no regime uma série de complicações que podem dificultar, tanto a tutela do ambiente, como o desenvolvimento da actividade económica.

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