sexta-feira, 13 de abril de 2012

Marés Vermelhas – Ambiente e Saúde Pública de Mãos Dadas

No passado dia 10 de Abril de 2012, o Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (IPIMAR) declarou interdita a apanha e captura de bivalves com vista à comercialização e consumo, em várias zonas do território português (constantes da tabela em anexo), devido à presença de microalgas produtoras de níveis de toxinas acima dos valores regulamentares. Esta medida foi tomada ao abrigo do Regulamento (CE) nº853/2004, que contém regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal, e do Regulamento (CE) nº 854/2004, com regras de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano.
Esta interdição abrange a região entre Peniche e Lisboa, na sequência de 40 casos de intoxicações alimentares ocorridos em Mafra nos cinco dias anteriores, mas também as zonas de Viana do Castelo, Matosinhos, Aveiro, Nazaré - Figueira da Foz e Sines – Setúbal. E, para além de zonas costeiras, abrange ainda outras massas de água, designadamente a ria de Aveiro, as lagoas de Óbidos e de Albufeira e os estuários do Tejo, do Mondego, do Sado e do Mira. As toxinas aqui em causa, segundo o documento do IPIMAR, são responsáveis essencialmente por intoxicações diarreicas. No mesmo dia, no seguimento da interdição, a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) apreendeu vários quilos de bivalves, designadamente mexilhão.
Numa análise preliminar, podemos afirmar que se trata aqui de um problema ambiental e de saúde pública.
Nos últimos anos, em todo o mundo, aumentou o registo de episódios de florescimento de microalgas marinhas nocivas (Harmful Algal Blooms – HABs). Comummente conhecidos como Marés Vermelhas, estes blooms são compostos essencialmente por dinoflagelados. Os dinoflagelados são microrganismos unicelulares eucariontes agrupados na classe dinoflagellata. Estes têm uma coloração avermelhada devido à presença do pigmento carotenóide peridina, alterando, por conseguinte, a cor da água. Os dinoflagelados surgem essencialmente em locais com alto teor de nutrientes, tendo um ciclo de vida, que pode durar entre horas e semanas, marcado por três fases. Numa primeira fase há um aumento explosivo destes organismos. A segunda fase, a de desenvolvimento, é marcada por uma ocupação sucessiva de áreas cada vez mais vastas. Por fim, dá-se um fenómeno de dispersão, o qual ocorre geralmente com uma mudança profunda das condições do meio, como a temperatura, a radiação solar, nutrientes, hidrografia ou predação.
No que respeita às causas de desenvolvimento destes organismos, há que salientar essencialmente duas.
A primeira causa, de cariz natural, é o fenómeno do upwelling ou afloramento, que ocorre na costa ocidental portuguesa durante os meses de verão. O vento à superfície do oceano arrasta as camadas superiores deste e, com o afastamento das águas costeiras superficiais, as águas subjacentes ascendem à superfície. Este fenómeno tem como consequência, para além do arrefecimento das águas, o seu enriquecimento em sais nutrientes, como nitratos, fosfatos e silicatos. Em suma, uma grande quantidade de nutrientes é levada para uma camada onde a radiação solar consegue penetrar, ou seja, reúnem-se as condições ideais de alimento e luz para o desenvolvimento de micro organismos.
A segunda causa é o fenómeno da eutrofização, o qual é causado pelo excesso de nutrientes numa massa de água, designadamente compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogénio. Para este facto concorrem causas naturais e humanas, sendo de destacar essencialmente a acção do homem. A poluição em geral, e a agricultura intensiva em especial (que provoca uma maciça libertação de fosfatos e nitratos nas águas marinhas próximas da costa) são dois elementos muito favoráveis ao desenvolvimento destas micro algas que, com a ajuda de altas temperaturas, se propagam rapidamente. A sua multiplicação numa massa de água conduz a uma diminuição do oxigénio, provocando a morte e decomposição de muitos organismos. Tal diminui a qualidade da água.
Concomitantemente, os dinoflagelados produzem toxinas que contaminam outros organismos do ecossistema, como os bivalves, que por sua vez são consumidos por carnívoros, como os peixes e o Homem. Quando consumidos pelo Homem, estes organismos são responsáveis por intoxicações do tipo paralisante (Paralytic Shellfish Poisoning – PSP), do tipo diarreico (Diarrheic Shellfish Poisoning – DSP), do tipo amnésico (Amnesic Shellfish Poisoning – ASP) e do tipo neurotóxico (Neurotoxic Shellfish Poisoning – NSP). Na verdade, aquelas toxinas podem atingir concentrações tão elevadas nos tecidos dos peixes que a sua ingestão por humanos pode provocar um envenenamento sério e, no limite, a morte.
Posto isto, podemos concluir pelos efeitos nefastos destas Marés Vermelhas, designadamente a nível da economia (com graves perdas nos sectores da aquacultura, pescas e turismo) e, especialmente, da saúde pública.
Ora, neste ponto, saúde e ambiente surgem de mãos dadas. O artigo 64º da Constituição consagra o direito fundamental à saúde e, no seu nº2 b), dita que tal direito é realizado pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida (…). Por sua vez, o artigo 66º nº1 da Constituição estabelece que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. Posto isto, podemos afirmar que a saúde humana pressupõe a protecção do ambiente. Um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado reflecte-se positivamente na saúde e bem-estar de cada um.
De facto, os danos ambientais geralmente repercutem-se negativamente nas próprias condições de vida e de saúde do Homem. O fenómeno das Marés Vermelhas reflecte isso mesmo. Apesar das causas naturais apontadas, é evidente o peso da mão humana neste fenómeno da natureza. A poluição em geral, a libertação de resíduos agrícolas junto das águas costeiras e o aquecimento global lesam o meio ambiente, mas não só. Concomitante aos fenómenos da eutrofização e da morte de ecossistemas, encontramos o potencial consumo de alimentos contaminados, a contração de intoxicações alimentares e envenenamentos, com efeitos nocivos para a saúde humana.
Assim sendo, sou da opinião de que os princípios ambientais consagrados na Constituição, em especial os da Prevenção e Precaução, jogam aqui em favor da preservação do ambiente mas não só. Em última instância, encontramos sempre a dignidade da pessoa humana. Seguindo a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, sou a favor de um antropocentrismo ecológico. O ambiente deve ser tutelado enquanto bem jurídico, sendo esta tutela condição necessária à concretização da dignidade da pessoa humana, nas suas variadas projecções. Uma dessas projecções é, seguramente, o direito à saúde de cada um.

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