domingo, 29 de abril de 2012

A prova do nexo de causalidade na Lei de Responsabilidade Ambiental


O DL 147/2008 trata hoje da problemática da responsabilidade ambiental.
Durante muitos anos, esta foi considerada na perspectiva dos danos sofridos por determinada pessoa nos seus bens jurídicos de personalidade ou bens patrimoniais como consequência da contaminação do ambiente. Com o tempo, com a progressiva consciencialização de um Estado de direito ambiental, foram-se auto limitando novos conceitos relacionados com os danos provocados à natureza em si, e ao património natural.
 Foram aparecendo novos conceitos, nomeadamente, danos ecológicos (quando um bem jurídico ecológico é perturbado, ou quando um determinado estado-dever de um componente do ambiente é alterado negativamente), danos do ambiente (perturbação através de componentes ambientais do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, art. 66º, nº1 da CRP), danos ambientais (danos de direitos subjectivos resultantes da lesão do ambiente), danos a interesses individuais colectivos, protegidos por interesses jurídico-ambientais, que são, por exemplo, os danos a interesses dos agricultores ou pescadores.

O DL 147/2008, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 2004/35/CE do Parlamento e do Conselho, que aprovou com base no principio do poluidor-pagador o regime relativo à responsabilidade ambiental,aplicável à prevenção e reparação de danos ambientais, estabelece um regime de responsabilidade civil objectiva e subjectiva, nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados por danos sofridos por via de um componente ambiental. Por outro lado, é fixado um regime de responsabilidade administrativa destinado a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade.
No que diz respeito à problemática do nexo de causalidade, o art. 5º refere que a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova cientifica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.
Para a imputação do dano deve atender-se à Teoria de Conexão do Risco, pois outras, como a Teoria da Causalidade Adequada, ou a Teoria do Fim da Norma, assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é impossível no domínio ambiental.
A lei faz assentar a apreciação da prova num critério de verosimilhança e probabilidade. Já anteriormente esta opção era reclamada pelo Prof. Cunhal Sendim[1].

Mas, como distinguir os dois conceitos? Não terão o mesmo significado?
O que é verosímil ou plausível é provável, mas com uma certa margem de incerteza.
Se verosímil significar o mesmo que provável, a utilização dos dois conceitos em cumulação será desnecessário, dificulta a sua interpretação e complica desnecessariamente a redacção da lei. Já, pelo contrário, se verosimilhança implicar um grau de convicção do juíz inferior à probabilidade, isto é, se a lei aceitar uma imputação ao agente porque não repugna acreditar que o facto é apto a produzir o dano, então este segmento do art. 5º deve ser tido por inconstitucional por violar as garantias constitucionais ao nível da imputação de danos, nomeadamente o princípio da propriedade privada, art 62º da CRP. No entanto, o grau de probabilidade variará consoante o caso concreto e a possibilidade de prova cientifica do percurso causal.
Em suma, o art. 5º do DL 147/2008, reclama a probabilidade de o facto lesivo ser apto a causar a lesão verificada. A aptidão para causar o dano é a qualidade daquilo que comporta um risco, ou seja, a susceptibilidade de ocorrência de um dano. O lesado tem de demonstrar a probabilidade de criação do risco pelo agente, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Esta probabilidade abrange a criação ou aumento do risco mas já não abrange a materialização do risco no resultado, o qual não é referido na norma.
Quid iuris então quanto à materialização do risco no resultado?
Se basta ao lesado provar que é provável a criação/aumento do risco para se afirmar o nexo causal, então é porque se presume a materialização no resultado, apesar de a lei não o referir expressamente. Ao lesado cabe provar que é provável a criação ou aumento do risco para a instalação. Face a essa prova, presume-se que o risco se materializou no resultado. Do outro lado, o agente pode contraprovar a probabilidade do risco, trazendo para o processo elementos que permitam destruir a convicção do julgador acerca dessa probabilidade ou pode também fazer prova negativa da materialização do risco no resultado lesivo, podendo demonstrar que, apesar do risco ser provável, não foi esse risco que se materializou no dano ocorrido.
O art.5º manda-nos ter em consideração alguns factores:

-circunstâncias do caso concreto
A lei deixa claro com esta referência que, o que está em causa é a aptidão concreta para causar o dano, ou seja, o risco em concreto e não em abstracto.
A lei não indica quais as circunstâncias do caso concreto relevantes, no entanto, à semelhança de outros ordenamentos jurídicos, deveria te-lo feito[2]. No caso alemão a lei ainda deixa alguma margem de liberdade ao  estabelecer  «outras condições especiais».
O juíz deverá atender a elementos internos da própria instalação, nomeadamente, ao seu modo de funcionamento ou à situação da empresa, a elementos externos à mesma, como as condições meteorológicas  ou a natureza do dano, e a outros factores que apontem ou não para a causação do dano, nomeadamente factores técnicos, como o facto se saber se se tratam de instalações modernas com as melhores técnicas disponíveis. A este propósito é relevante a possibilidade de intervenção da autoridade competente, plasmado no art. 18º do DL 147/2008, quando haja suspeita da ocorrência de danos ambientais ou ameaça iminente desses danos. Nos termos do art. 14º e 15º quando haja a ameaça iminente da ocorrência desses danos, o operador deve adoptar imediatamente as medidas de prevenção e reparação adequadas, ou ocorrendo os mesmos, devem ser imediatamente tomadas todas as medidas viáveis para controlar, conter, eliminar ou gerir os factores danosos, de forma a limitar ou prevenir novos danos. A adopção destas medidas é obrigatória.

- grau de risco e de perigo
Para além das circunstâncias do caso concreto, o art. 5º impõe a consideração, em especial, do grau de risco e de perigo. É uma formulação um pouco estranha, na medida em que, para provar a probabilidade do risco, recorre-se ao grau... de risco.

-normalidade da acção lesiva
O que está aqui em causa é o problema de saber se é normal ou não aquele tipo de instalação causar aquele tipo de dano, no sentido de ser frequente causá-lo.

-possibilidade de prova cientifica do percurso causal
Este é um dos aspectos em que a lei portuguesa foi mais infeliz. Se é possível a prova cientifica, exige-se, pura e simplesmente,do lesado essa prova e a regra da probabilidade do art. 5º não intervém. Não se compreenderia que a prova da probabilidade atendesse à possibilidade de prova do percurso causal.
Concluindo, a possibilidade de prova cientifica não é um factor que se deva atender quando se trata de determinar a probabilidade de a instalação ser apta a causar o dano.

- cumprimento, ou não, de deveres de protecção
Tratam-se de deveres susceptíveis de evitar danos por  terceiros em consequência do operar da instalação e, concretamente, deveres de funcionamento impostos pelas autoridades administrativas. Neste caso, porventura será útil no juízo sobre o grau de probabilidade atender à observância ou não das melhores técnicas disponíveis, até por vezes exigidas em licenças administrativas, no sentido em que será pouco provável que a instalação tenha causado o dano quando estas técnicas tenham sido utilizadas.
Esta solução favorece e incentiva a constante actualização tecnológica a favor do ambiente.

Em conclusão, a lei portuguesa apesar de optar pela via da suficiência da mera justificação como medida de prova, foi mais longe e não exigiu sequer a probabilidade de  o facto ser a causa do dano, mas apenas a probabilidade de poder ser a causa. A administração assume o papel de garantir a tutela dos bens ambientais afectados.
Por  fim, em certas circunstâncias, um regime de responsabilização atributivo de direitos dos particulares constitui um mecanismo economicamente mais eficiente e ambientalmente mais eficaz do que a tradicional abordagem.

Bibliografia:
-Silva, Vasco Pereira da, “Verde, Cor do Direito”.
-Dias, Jorge de Figueiredo, “Responsabilidade Ambiental”.
-Oliveira, Ana Perestrelo de, “ A prova do nexo de causalidade na lei da responsabilidade ambiental”.
-Sendim, José de Sousa Cunhal, “Responsabilidade civil por danos ecológicos”.


[1] O autor falava em critérios de verosimilhança ou de probabilidade, atendendo às circunstâncias do caso concreto. “Responsabilidade civil por danos ecológicos-Da reparação do dano através de restauração natural”, 1998.
[2] É o caso do ordenamento jurídico alemão que no parágrafo 6, I, da Umwelthaftungsgesetz alemã refere, «se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, uma instalação for apta a causar o dano em causa, presume-se que o dano foi causado por esta instalação. A aptidão para causar o dano num caso concreto determina-se tendo em conta a situação da empresa, o seu modo de funcionamento, a natureza e a concentração dos materiais utilizados e libertados, as condições meteorológicas, o tempo e o lugar em que o dano ocorreu, a natureza do dano, bem como outras condições especiais, que apontem para ou contra a causação do dano ».

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