quinta-feira, 26 de abril de 2012

Reparação do dano ecológico


           A reparação de danos ecológicos não pode de todo ser uma temática esquecida por nós, visto que a degradação do meio ambiente ameaça o bem-estar das sociedades e a qualidade da vida humana. Por mais que não queiramos aceitar esta realidade é algo inerente aos nossos dias e a própria falta de compreensão ambiental nos leva a esse caminho. A verdade é que tudo isso se manifesta na destruição dos elementos que compõem o ambiente, quer isso ocorra no exercício de actividades ilícitas, como até mesmo lícitas, onde se cumpre todas as normas aplicáveis para se prevenir lesões ambientais. Contudo, mesmo neste último caso, tal não pode ser aceitável. É necessário que haja uma consciência ecológica e que se caminhe numa direcção em que cada vez mais os problemas ambientais existentes consigam ser supridos, ou de mal menor, pelo menos reparados. E é tendo em conta esta conjuntura, que vou então proceder neste pequeno tema de investigação à análise das várias modalidades de reparação do dano ecológico, assim como a outras questões que possam surgir como pertinentes no estudo desta questão. Será então esta a ordem sistemática que me irá ocupar, tendo em conta ainda a autonomização do conceito de dano ecológico, que é fundamental para o aperfeiçoamento de um sistema coeso de reparação.
            Dano ecológico e dano ao ambiente são realmente conceitos distintos. Em comum, têm apenas o facto de resultarem de uma lesão a um componente ambiental. Porém, enquanto o dano ao ambiente se traduz na perturbação do estado do ambiente determinado pelo sistema jurídico-ambiental; o dano ecológico pode-se caracterizar como uma perturbação do património natural – enquanto conjunto dos recursos bióticos e abióticos e da sua interacção – que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens, tutelada pelo sistema jurídico-ambiental. Esta é perspectiva defendida por José de Sousa Cunhal Sendim. No entanto, não é a única, já que esta distinção tem vindo a ser amplamente discutida pela doutrina. A par desta, encontrei realmente outras, que não irei aqui expor, já que isso nos ia levar a outras discussões e esgotaria o objecto de estudo deste trabalho. Fica, no entanto, feita a referência a esta realidade. Para o texto em apreciação, será então tido em conta o conceito de dano ecológico que traduz a lesão causada à água, solo, subsolo, fauna, flora, atmosfera ou outro elemento natural, susceptível de causar uma afectação significativa ao equilíbrio do bem jurídico ambiente. Afectação essa, que perturbe sensivelmente o elemento natural e a sua interacção com os restantes elementos, pela sua intensidade ou persistência. Quanto às formas típicas de produção destes danos, estas manifestam-se claramente na contaminação e na redução ou eliminação de espécies. Enquanto a primeira é causada pela poluição, noção essa definida na Lei de Bases do Ambiente, no disposto do artigo 21º, a segunda remete-nos para a questão da biodiversidade em si, valor esse que tem de ser avaliado de forma estritamente formal. A verdade é que o dano ecológico é realmente um dano complexo, uma vez que dele podem resultar danos directos ou indirectos, podendo a estes corresponder formas diversas de reparação. Cabe proceder a essa indagação.
            O responsável civilmente tem realmente a obrigação de reparação. Existindo um dano e estando todos os seus pressupostos devidamente preenchidos é exigido que se reconstrua a situação que existiria se não tivesse havido nenhuma infracção. No caso, através da reabilitação do elemento natural afectado e de todas as suas funções. Esta realidade traduz-se na denominada reconstituição in natura, que deve ser total e que se traduz em duas formas: restauração ecológica e compensação ecológica. Enquanto na primeira deve ser feita a recuperação funcional do elemento natural, a segunda resulta da natureza não apropriável dos elementos naturais e da impossibilidade de juízos de natureza económica quanto aos danos causados. Há no fundo, a possibilidade de se criar um recurso equivalente que cumpra a mesma função, mesmo não se tratando do mesmo elemento. Com efeito, a restauração ecológica pode ser observada no artigo 48º, nº 1 da Lei de Bases do Ambiente, que nos traduz a ideia que se deve realmente introduzir no sistema as potencialidades que ele tinha, ou seja, a sua virtualidade.
         Porém, estas não são as únicas medidas de reparação do dano ecológico, como podemos observar pela leitura do artigo enunciado anteriormente. O seu número um e número três demonstram-nos que pode existir uma indemnização especial. Indemnização, essa que se manifesta num montante pecuniário. Neste caso, os destinatários destas importâncias serão claramente entidades públicas e não particulares. Tal não é de estranhar já que não pode ser admitida a apropriação individual da compensação pecuniária por um dano a um bem que é, por natureza, inapropriável. Estas entidades terão de ser meras gestoras, aplicando os valores recebidos a finalidades ambientais, investindo na sua melhoria. A aplicação destas remunerações a outros fins seria claramente desmedido, não fazendo qualquer tipo de sentido. Podia-se mesmo inverter o objectivo aqui plasmado: pretende-se recuperar aquilo que foi destruído devido à existência de um dano ecológico. Se este não o pode ser feito através da recuperação funcional do elemento natural, então teremos esta espécie de sucedâneo, que terá de ser aplicado tendo em conta os mesmos valores subjacentes. Quanto à determinação do montante desta indemnização, pela pesquisa efectuada pude perceber que existem três modelos a considerar: o das teorias económicas, o da equidade e o da criação de um modelo forfetário. A primeira conjectura atribui um valor económico através do valor do uso de determinado bem, enquanto a segunda, procede ao cálculo através de uma perspectiva do lesante, atendendo-se por exemplo à sua situação económica e ao seu grau de culpa. Por fim, o último modelo procede da fixação por lei dos montantes das compensações pecuniárias. Cabe ter em conta a realidade em si para se conseguir chegar a uma solução. Porém, parece que a melhor decisão passa pela combinação de várias medidas de reparação, devendo-se recorrer, se possível a uma avaliação técnica e científica, capaz de identificar todos os impactos para o meio ambiente. Depois, só o caso em concreto, nos poderá levar a uma conclusão satisfatória.
        Do exposto resulta então as várias formas de reparação do dano ecológico pelo que se coloca uma questão obrigatória: Qual, de entre todas estas hipóteses, será a preferível? Nesta matéria, penso que não haja grande discordância. É nitidamente dada uma primazia à restauração natural do dano ecológico. O próprio artigo 566º do Código Civil determina a preferência desta conjuntura em relação à própria compensação pecuniária. Na prática, faz todo o sentido que assim o seja. A indemnização será uma mera compensação, mas aquilo que nos importa é a reparação do dano real, que é nada mais do que a lesão causada no interesse juridicamente tutelado. É preciso garantir que prevalece o interesse público da preservação ambiental. E isso só se consegue através da reparação in natura que visa repor as características do elemento natural. Porém, se isto se adequa claramente à nossa realidade, é preciso por outro lado, fazer uma breve referência: por vezes a compensação pecuniária tem mesmo de ser a opção escolhida, apesar de ser, sem sombras de dúvidas, subsidiária. Se isso ocorre, quando o meio de reparação não é possível, pode igualmente ser uma hipótese válida nos casos em que apesar de ser exequível é extramente onerosa para o agente. Por fim, basta apenas salientar que quanto à forma de relacionamento entre a reparação e a compensação ecológica deve em princípio prevalecer a primeira, já que é mais próxima da situação actual hipotética. Todavia, só caso a caso é que deverá ser feita essa observação, visto que naturalmente estamos perante realidades por si só muitíssimo casuísticas. 
         Tendo em conta as medidas que podem ser aplicadas, cabe à Administração proceder à sua observação, de modo a permitir uma decisão célere. Celeridade, essa, que por vezes exige mesmo que a Administração pratique actos considerados urgentes, podendo posteriormente exercer direito de regresso contra o respectivo lesante, como se pode observar pelo disposto do artigo 48º, nº 2 da Lei de Bases do Ambiente. No entanto, não se verificando esta circunstância, deve-se proceder à análise das várias alternativas de reparação in natura, de modo a que se tente recuperar a capacidade funcional do elemento natural, como já foi exposto previamente. De seguida, deve-se então tomar a decisão quanto à medida em concreto que vai se aplicada. Caso esta não consiga fazer uma reparação total, deve-se considerar o pagamento de uma indemnização em dinheiro relativamente ao que não for recuperável. Mas só relativamente a essa conjuntura, pois se assim não for frustra-se os propósitos visados.
        Para terminar, basta apenas destacar que a reparação in natura é realmente a mais eficiente e até indispensável, pois mesmo se tratando de um bem colectivo imaterial, o meio ambiente é composto por bens que possuem forma corpórea e em razão disso são passiveis de reparação natural. No entanto, sempre que esta não for possível, todas as outras medidas continuam a ser bem-vindas, pois apesar de o Direito do Ambiente visar a manutenção do estado ecológico, o que visa essencialmente é tentar transmitir que se deve conservar a vida, em todas as suas formas, através de um equilíbrio entre a acção humana e a capacidade de suporte do Planeta Terra. E como sabemos, o futuro deste está efectivamente nas nossas mãos e que ele depende, de forma notória, do nosso sentido de cidadania.

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